quinta-feira, 26 de janeiro de 2017

#48 - JOSEFINA BAKER, Luís de Montalvor

De qualquer ilha escondida
no quente mar colorista,
veio essa Baker trazida
pla mão da 5.ª avenida:
o roteiro fantasista.

Essa negra Josefina
deixou Colombo vexado,
ligando a terra-menina,
que é branca e greco-latina,
ao continente sobrado...

Um demónio de negrura:
trópico aroma se exala.
Seu corpo a imagem figura
de um brônzeo clima, em tontura,
cercando à noite a senzala.

O ritmo antigo é perdido,
outro mundo volverá.
Nesta Europa sem sentido
a Baker marca o ruído
e o mediano o Dekobra.

Façam batuque, batuque,
plantem na Europa o Haiti.
Caliça que a alma amachuque,
que caia o tecto de estuque
no senhor de Valéry.

Velha casa brazonada,
deu-lhe o vento de ruína.
A celta flor desfolhada,
morreu de tédio pisada
aos pés dessa Josefina.

quarta-feira, 25 de janeiro de 2017

#47 - SECA, Daniel Filipe

É de água a sede da paisagem
que o som da música enlanguesce.
Pedem meus olhos a miragem
de branca nuvem, fria aragem
-- virgem morena que adolesce.

É de água a sede deste monte
em sal e areia acontecido.
Venha a ternura de uma fonte!
Lírico som que em mim desponte
e saiba a céu e a ter vivido.

terça-feira, 17 de janeiro de 2017

#46 - MORNA, Daniel Filipe

É já saudade a vela, além.
Serena, a música esvoaça
na tarde calma, plúmbea, baça,
onde a tristeza se contém.

Os pares deslizam embrulhados
de sonhos em dobras inefáveis.

(Ó deuses lúbricos, ousáveis
erguer então, na tarde morta
a eterna ronda de pecados
que ia bater de porta em porta!)

E ao ritmo túmido do canto
na solidão rubra da messe,
deixo correr o sal e o pranto
-- subtil e magoado encanto
que o rosto núbil me envelhece.