domingo, 30 de novembro de 2014

#16 - FLASH DE JOHN COLTRANE, António Barahona

para Rão Kyao

a ouvir Stardust de John Coltrane
o meu destino é este debruçado na
pirâmide com o coração aberto em quatro
de maneira esfíngica no deserto sempre
que outro lugar não há à mercê de ser
livre dono da deriva do barco

7-10-77

sábado, 15 de novembro de 2014

#15 - "AVE-MARIAS" NA MINHA ALDEIA, Bernardo de Passos

"Tudo quanto há neste vale é cheio duma lembrança triste..."
                                                                                                                                                                                                                                                                 Bernardim Ribeiro

Da torre, tange o sino brandamente
"Ave-Marias", pela branca aldeia,
Enquanto vem dum lado, a lua cheia,
E doutro, se despende o sol-poente...

Pelos freixos do "Pego", em minha frente,
Cansado já, um rouxinol gorgeia.
Vagam murmúrios d'água que serpeia,
-- Fontes deixando o vale, saudosamente...

E alguém vai cantando, estrada fora,
Um fado triste como a voz do mar
E o vago soluçar das ventanias...

Ó meu Amor! quisera, nesta hora,
Reclinar-me no teu seio, p'ra chorar,
Enquanto o sino tange "Ave-Marias"...

quinta-feira, 6 de novembro de 2014

#14 - IMPRESSÕES DO CREPÚSCULO, Fernando Pessoa

I
Ó sino da minha aldeia,
Dolente na tarde calma,
Cada tua badalada
Soa dentro da minh'alma.

E é tão lento o teu soar,
Tão como triste da vida,
Que já a primeira pancada
Tem um som de repetida.

Por mais que me tanjas perto
Quando passo, sempre errante,
és para mim como um sonho --
Soas-me na alma distante...

A cada pancada tua,
Vibrante no céu aberto,
Sinto mais longe o passado,
Sinto a saudade mais perto.