É um dos corais de Leipzig,
o quarto. Sem saber como, desceu ao chão
da alma. A música
é este abismo, esta queda
no escuro. Com o nosso corpo
tece a sua alegria,
faz a claridade
dos bosques com a nossa tristeza.
Pela sua mão conhecemos a sede,
o abandono, a morte. Mas também
o êxtase de estrela em estrela.
E a ressurreição.
Foz do Douro, 19.9.97
quarta-feira, 9 de novembro de 2016
quinta-feira, 20 de outubro de 2016
#44 - CANTO DE BAR, Mário Dionísio
Canta, cantor esquecido, tuas valsas de angústia!
Aqui o canto de bar,
onde vêm parar os que serão suicidas,
gente de todas as nações falando todas as línguas,
emigrados de todos os países.
Aqui o canto de bar
onde ancorou o jogador arruinado
e as mulheres que perderam o número dos amantes
e os moços que sonharm vidas que não puderam ter.
Onde cantores esquecidos cantam valsas lentas e antigas
que trazem a recordação de lares despedaçados.
Onde vieram parar os maltrapilhos perdidos para sempre
e onde as valsas cantadas por vozes arrastadas,
que lembram multidões de coisas,
já não trazem a mínima saudade.
Aqui onde se sabe indiferentemente
que o homem saído há pouco
estendeu a corda e se enforcou na escada.
Aqui onde se joga tudo sem interesse
porque já não há nada para jogar.
É o canto soturno
onde não entra sol nem lua.
Janelas fechadas, só fumo e luz vermelha.,
mulheres de todas as raças de cabelos degrenhados.
Aqui o canto de bar
onde veio parar o lixo de todas as nações.
(Todos que estavam a mais nas cidades e nos lares...)
Canta, cantor esquecido, tuas valsas de angústia!
Aqui o canto de bar,
onde vêm parar os que serão suicidas,
gente de todas as nações falando todas as línguas,
emigrados de todos os países.
Aqui o canto de bar
onde ancorou o jogador arruinado
e as mulheres que perderam o número dos amantes
e os moços que sonharm vidas que não puderam ter.
Onde cantores esquecidos cantam valsas lentas e antigas
que trazem a recordação de lares despedaçados.
Onde vieram parar os maltrapilhos perdidos para sempre
e onde as valsas cantadas por vozes arrastadas,
que lembram multidões de coisas,
já não trazem a mínima saudade.
Aqui onde se sabe indiferentemente
que o homem saído há pouco
estendeu a corda e se enforcou na escada.
Aqui onde se joga tudo sem interesse
porque já não há nada para jogar.
É o canto soturno
onde não entra sol nem lua.
Janelas fechadas, só fumo e luz vermelha.,
mulheres de todas as raças de cabelos degrenhados.
Aqui o canto de bar
onde veio parar o lixo de todas as nações.
(Todos que estavam a mais nas cidades e nos lares...)
Canta, cantor esquecido, tuas valsas de angústia!
sexta-feira, 7 de outubro de 2016
#43 - É ASSIM, A MÚSICA, Eugénio de Andrade
A música é assim: pergunta,
insiste na demorada interrogação
-- sobre o amor?, o mundo?, a vida?
Não sabemos, e nunca
nunca o saberemos.
Como se nada dissesse vai
afinal dizendo tudo.
Assim: fluindo, ardendo até ser
fulguração -- por fim
o branco silêncio do deserto.
Antes porém, como sílaba trémula,
volta a romper, ferir,
acariciar a mais longínqua das estrelas.
Beja, 18.7.97
insiste na demorada interrogação
-- sobre o amor?, o mundo?, a vida?
Não sabemos, e nunca
nunca o saberemos.
Como se nada dissesse vai
afinal dizendo tudo.
Assim: fluindo, ardendo até ser
fulguração -- por fim
o branco silêncio do deserto.
Antes porém, como sílaba trémula,
volta a romper, ferir,
acariciar a mais longínqua das estrelas.
Beja, 18.7.97
quinta-feira, 29 de setembro de 2016
#42 - TERRA, Fernando Namora
1
Lá em cima, o campanário branco e o galo dos ventos.
A torre deve dez metros de altura ao brasileiro dos Casais.
Meu avô doou um pedaço de quintal. Os outros fizeram o resto.
E hoje -- badalão! badalão! -- toda a serra
tem os ouvidos claros para o som de bronze.
Lá em cima, o campanário branco e o galo dos ventos.
A torre deve dez metros de altura ao brasileiro dos Casais.
Meu avô doou um pedaço de quintal. Os outros fizeram o resto.
E hoje -- badalão! badalão! -- toda a serra
tem os ouvidos claros para o som de bronze.
terça-feira, 27 de setembro de 2016
#41 - CANCIÓN, Antonio José Ponte
Pasé un verano intero escuchando ese disco.
Para que la emoción no se le fuera
lo escuchaba una vez cada día.
Si me quedaba hambriento salía a caminar.
A su manera la luz cantaba esa canción,
la cantó el mar, la dijo
un pájaro.
Lo pensé en un momento:
todo me está pasando para que me enamore.
Luego se fue el verano.
El pájaro
más seco que la rama
no volvió a abrir el pico.
quinta-feira, 8 de setembro de 2016
#40 - JAZZ, Claudia Roquette-Pinto
a noite tece ao redor.
há uma lua uma abó
bada um rosto de lilian gish
que alguém deixou de propósito,
atrás da mureta a
aspereza azul levita
e torna a afundar
abrindo prata e ror nessa hipnose.
correm notas pela escada
pérolas as teclas
os degraus.
eis: e depois
um sax desperta flores nos quadris.
de que lugar em mim verto esse caos?
há uma lua uma abó
bada um rosto de lilian gish
que alguém deixou de propósito,
atrás da mureta a
aspereza azul levita
e torna a afundar
abrindo prata e ror nessa hipnose.
correm notas pela escada
pérolas as teclas
os degraus.
eis: e depois
um sax desperta flores nos quadris.
de que lugar em mim verto esse caos?
sábado, 3 de setembro de 2016
#39 - STARS FELL ON ALABAMA, Frederico Barbosa
Cannonball plantando o tema
bala de som
redondo e reto
brilho de balão.
Nós e o nosso drama
beijo em campo branco
coração martelo
e lá no centro
eu e você.
Cannonball colhendo tempo
som canhão de pesadelo
no rosto o sopro negro
«dos combates que vão dentro do peito».
Estrelas caindo aqui
ontem, a noite
plano imaginado
e lá no centro
Cannonball arde por dentro.
quinta-feira, 1 de setembro de 2016
#38 - NOCTURNO, Gastão Cruz
É tão
estranha a paz
que não ter paz me traz (ouvir outrora
os Nocturnos a uma hora
como esta tão longe de tudo vendo embora
as luzes que se acendem nas
janelas em frente
bastaria
para que a nuvem da melancolia
sobre mim derramasse
a água sufocada)
como se, para sossegar, a vida
precisasse
de se sentir perdida.
estranha a paz
que não ter paz me traz (ouvir outrora
os Nocturnos a uma hora
como esta tão longe de tudo vendo embora
as luzes que se acendem nas
janelas em frente
bastaria
para que a nuvem da melancolia
sobre mim derramasse
a água sufocada)
como se, para sossegar, a vida
precisasse
de se sentir perdida.
Subscrever:
Mensagens (Atom)